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Foto do escritorPedro Soares

Entendendo o Petróleo Negativo

No último dia 20, em um movimento histórico, vimos o preço do barril de petróleo atingir um valor negativo! Apesar de bizarro e contraintuitivo, esse evento não foi nenhum bug operacional e nem representa o fim da matriz energética. Antes de entendermos o que aconteceu precisamos esclarecer alguns conceitos.


Um contrato futuro é um acordo legal no qual duas partes definem, no presente, o valor de um ativo para uma transação no futuro. É um mecanismo financeiro bastante utilizado no mercado de capitais, principalmente quando tratamos de commodities e moedas. Esse tipo de operação surgiu com o intuito de oferecer uma proteção aos produtores e empresários contra a volatilidade nos preços (operação comumente chamada de hedge). Vamos exemplificar para ficar mais lúdico.


Os custos da safra são usualmente estipulados antes do efetivo plantio, portanto, faz sentido que o produtor procure garantir um preço fixo de venda para sua produção o quanto antes. Isso o protege contra possíveis oscilações futuras no preço. Seguindo nosso exemplo, o produtor estimou que o seu custo por saca de soja seria, por exemplo, de R$ 70. Com o preço vigente no momento (também chamado de spot) de R$ 75, ele opta por proteger toda sua produção.


Passados os 90 dias, o produtor tem a obrigação de entregar a produção pelo preço de R$ 75 previamente combinando, independente do preço spot. Aqueles que compraram os respectivos contratos, consequentemente, tem a obrigação de pagar os mesmos R$ 75. Se no momento da venda o preço da saca estiver acima de R$ 75, então o produtor deixou de ganhar mais pela sua produção e o detentor do contrato sai ganhando e vice versa. Diferente das opções, outra modalidade de derivativo financeiro, o contrato futuro não é um direito que pode ou não ser exercido, ele é um acordo obrigatório.


A precificação desses contratos leva diversas variáveis em consideração, como o preço vigente do ativo, a taxa de juros no momento e o tempo efetivo até a entrega. Além disso, apesar de ter sido desenvolvido como um mecanismo de hedge, atualmente tais contratos são muito utilizados de forma especulativa por investidores. Isso gera mais volatilidade nos preços, mas garante uma liquidez maior para os ativos.


É importante ressaltar que os contratos futuros são padronizados. Cada contrato futuro de petróleo negociado em Chicago, por exemplo, representa um acordo para a compra/venda de 1.000 barris. Ou seja, se uma empresa quiser travar o preço de venda de 100.000 barris da sua produção, ela terá de negociar 100 contratos.


Existem outros conceitos operacionais acerca dessa operação, mas para entendermos o fenômeno de ontem, essas informações devem ser suficientes. Outro detalhe importante é que existem duas principais variedades de contrato de petróleo, uma relacionada ao Brent e outra ao WTI. Por hora, basta saber que o WTI referência melhor os preços de petróleo americano enquanto o Brent é uma referência mais global. A anomalia de ontem ocorreu com o contrato futuro de WTI referente ao mês de maio, cujo último dia de negociação foi hoje, 21 de abril de 2020.


Agora sim, com esse embasamento sobre contratos futuros, fica mais fácil entendermos como o preço do barril chegou a - $40 na tarde de ontem. Na realidade, foi o valor do barril desse contrato específico que atingiu o patamar negativo. O mesmo tipo de contrato para vencimentos mais longos, como junho e dezembro operaram com valor positivo durante o pregão.


Apesar de contraintuitivo, o preço negativo para um ativo é perfeitamente possível. Ainda que pareça irracional, o valor representa que o detentor do ativo está disposto a pagar para que outra pessoa o adquira. Mas o que leva um produto a se desvalorizar tanto a ponto de precisar ser subsidiado nesse nível? Na maioria das vezes é problema de estoque. Na prática acaba sendo mais barato “se livrar” daquele produto, que em estoque trará custos, do que simplesmente mantê-lo.


O ocorrido com o contrato futuro de petróleo WTI ontem está diretamente ligado a isso. Devido a paralização das economias em decorrência do COVID-19, a demanda por petróleo teve uma queda vertiginosa. Apesar do anúncio de cortes de produção pela grande maioria dos países produtores, a demanda está tão baixa que os detentores dos contratos não têm para quem vender. Principalmente se tratando de um contrato prestes a vencer, não há compradores no curto prazo, visto que todos os players relevantes estão com seus estoques lotados. Portanto, aqueles em posse de tais obrigações passaram a negociar o ativo em valor negativo buscando simplesmente uma forma de se livrar do produto (ou da obrigação de adquiri-lo).


 

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